Caros leitores,
É sempre uma alegria entrar em contacto convosco. Desta vez, celebramos a chegada de 2023 com descobertas, e curiosidades inéditas, sobre a produção de pintura mural de Almada Negreiros e sobre a génese das intervenções de restauro nas suas obras. Nesta newsletter, não só vos mostramos o que temos vindo a investigar nos últimos meses, como também vos convidamos a conhecer as últimas pinturas do artista realizadas, em 1956, na Escola Básica Patrício Prazeres em Lisboa.
Fiquem connosco e boa leitura!
Imagem: Processos de Brigadas de pintura mural do IJF, referentes a obras de Almada Negreiros. Cláudia Pereira-Biblioteca de Conservação, 2023 ©todos os direitos reservados.
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Para conhecer
Pesquisa documental sobre a obra de pintura mural de Almada Negreiros (1938-1956)
É incrível quanta informação pode ser encontrada quando estamos dispostos a mergulhar nos arquivos. Este trabalho (quase) de detetive foi feito pela investigadora Inês Cardoso nos últimos 12 meses. Esta pesquisa levou-a a visitar várias bibliotecas, e arquivos históricos, distribuídos por Lisboa e a consultar mais de 400 processos contendo cerca de 15150 páginas de texto e 1640 fotografias, cerca de 130 desenhos, e mais de 1000 jornais e revistas publicados de 1938 a 1970.
O objetivo foi recolher, e consolidar, o máximo de informação sobre a produção de pintura mural de Almada Negreiros produzida nessa época e nos anos seguintes. E porquê isto? Porque apesar da documentação já publicada por historiadores de arte, dúvidas, curiosidades e questões permaneciam sem resposta. Entre estas, pormenores da organização das encomendas no que toca a técnicas pictóricas e materiais empregues, o andamento das obras, referências a assistentes, testemunhos de Almada Negreiros, aparecimento dos primeiros sinais de deterioração nas pinturas (onde, quando e por quem) e medidas tomadas para a sua mitigação. O texto a seguir destaca três dos resultados alcançados que, em breve, serão alvo de publicações no âmbito do projeto.
O primeiro diz respeito à descoberta inédita do processo de empreitada para a execução dos dois frescos com 2x3m na então Escola Comercial Patrício Prazeres [atual Escola Básica Patrício Prazeres]. Ainda hoje, aqueles murais – os últimos que Almada Negreiros fez na cidade Lisboa em 1956 – estão no vão das escadas e são conhecidos como aula de geografia e aula de ginástica.
Do processo que se encontra no arquivo das Construções Escolares consta: a) uma carta de Almada, datada de 19 de julho de 1955, na qual o artista propõe ‘executar a fresco dois cartões originais da sua autoria já oficialmente aprovados’; b) o contrato oficial da adjudicação de 22 de julho de 1955 com um custo total de 50 000 escudos (Fig1); e ainda c) os pagamentos efetuados em janeiro e junho de 1956, no valor total de 2352 escudos, a Luís Ramos de Abreu pela preparação e colocação de rebocos à base de cal, e assistência ao pintor (Fig.1). Pela primeira vez, há uma referência clara a um pedreiro cujo papel era ajudar Almada no seu trabalho
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Fig.1. À esq., primeira página do contrato assinado entre Almada Negreiros e o Eng. José de Lencastre e Távora, Administrador-Delegado da Junta das Construções para o Ensino Técnico e Secundário, para a execução dos frescos na Escola Patrício Prazeres (22 de julho de 1955). À dta., recibo de pagamento efetuado a Luís Ramos de Abreu em junho de 1956. Fonte das imagens: Processo n. E n. 532 e no n. A/40 – “Escola Comercial Patrício Prazeres – Lisboa – Execução de duas pinturas a fresco, pelo pintor José Almada Negreiros, por contrato n. 668”, Caixa 02, Arquivo das Construções Escolares da Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência.
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Outro resultado que gostaríamos de partilhar, embora não seja inédito, importa recordar porque é elucidativo do escrutínio a que Almada Negreiros esteve sujeito na encomenda da sua obra mais carismática, a Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos entre 1946 e 1949. Talvez seja do conhecimento geral o desagrado que as pinturas causaram após o seu término e a ameaça de destruição que se seguiu por parte das altas patentes do Regime do Estado Novo [1]. Mas engane-se quem ainda ache que o processo de adjudicação foi pacifico. Desde o início esta obra esteve envolta em polémica, provocada pelos 500.000 escudos que Almada pediu para a executar. A reação por parte do Ministério das Obras Publicas não se fez esperar, tendo sido solicitado não um, mas seis pareceres, a personalidades da cultura e das artes da época para a sua adjudicação (Fig.2)
No arquivo do património arquitetónico da Direção Geral do Património Cultural (DGPC), instalado no Forte de Sacavém, encontra-se extensa documentação oficial sobre este assunto, mas Almada Negreiros também o refere em entrevista à jornalista Gabriela Castelo Branco. Desta notícia publicada no Diário de Lisboa, de 22 de março de 1950, é apresentado um trecho em que o artista discorre sobre o assunto, afirmando que, apesar das dificuldades por que passou, não houve repercussões no seu trabalho.
‘ [em relação ao valor de 500 contos pedido] Acharam -como era admissível-um pouco caro. O eng. Cancela de Abreu, nessa altura, ministro das Obras Publicas, perguntou então à 6º secção o seu parecer. Este foi favorável. Cabe-me agora aqui mostrar aqui que não esqueci a justiça que me foi feita pelo eng. Gomes da Silva, pelo Dr. João Couto, pelo arquiteto Pardal Monteiro e, por último, pelo próprio eng. Cancela de Abreu. Posso dizer que a todos devo o poder ter tido a oportunidade de me entregar a um trabalho que sinceramente me interessa.
- E nunca lhe surgiu qualquer contrariedade?
- Sim, pois tudo representa uma luta, em que, se nós, em certos momentos, nos deixamos vencer por um ligeiro desfalecimento, provocado por má vontade ou má compreensão de terceiros, o trabalho pode até ressentir-se. Nunca me perturbei no meu, apesar de, em dada ocasião, me haver constado que suscitara polémica. O seu ritmo não oscilou, porém; antes manteve-se firme e acelerado’.
Almada Negreiros em 'Almada, aquele, que não se confunde com nenhum outro' Diário de Lisboa, 1950
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Fig.2. Correspondência do Eng. Henrique Gomes da Silva, Diretor Geral da DGEMN, para o Eng. Augusto Cancela de Abreu, Ministro das Obras Públicas e Comunicações, a informar sobre o desacordo dos pareceres solicitados para definição do valor a pagar a Almada Negreiros (27 dezembro 1946). Fonte: documentos TXT.05422805 e TXT.05422806 do processo PT DGEMN:DSARH-005/125-4693/04 (SIPA/DGPC).
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O terceiro, e último resultado, da investigação aqui apresentada diz respeito à conservação das próprias pinturas. Neste contexto, importa destacar a documentação da antiga Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) que através de dois ofícios enviados a Almada Negreiros, em 25 de março de 1956 e em 25 de setembro de 1964, dá-lhe conhecimento dos primeiros sinais de deterioração das pinturas nas Gares Marítimas de Alcântara e pedem-lhe propostas orçamentais para a sua conservação e restauro.
Apesar desta procura, Almada não respondeu, e a partir de 1970 encetam-se contactos com o Instituto José de Figueiredo (IJF) – ainda hoje Instituição de referência na preservação do património cultural português - culminando na primeira intervenção de restauro em 1971, um ano após a morte do artista (Fig.3). Nas décadas seguintes, os técnicos do IJF acompanharam não só o estado de conservação destas pinturas como também o dos restantes núcleos a estudo neste projeto. Toda esta história encontra-se registada nos 14 processos de brigadas de pintura mural, criados pelo Laboratório José de Figueiredo e patentes no arquivo da Biblioteca de Conservação e Museus da Divisão de Inventário, Classificações e Arquivo (DICA) da Direção Geral do Património Cultural.
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Fig.3. Ofício nº 1353/EL assinado por Eng. José Pena Pereira da Silva, Diretor Geral da DGEMN, no qual se propõe que se insista com o pintor Almada Negreiros na apresentação de proposta para o restauro das pinturas murais da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos (maio 1966). Fonte: documento TXT.05422919 do processo PT DGEMN: DSARH-005/125-4693/04 (SIPA/DGOC).
Referências
[1] https://research.unl.pt/ws/por...
Agradecimentos
A investigação deste último ano contou com a colaboração de vários técnicos das várias Instituições consultadas, a quem gostaríamos de deixar um agradecimento sincero. Da Biblioteca de Conservação e Museus: à Dra. Cláudia Pereira; do Forte de Sacavém: à Dra. Ana Paula Figueiredo, ao Dr. Alexandre Oliveira, Dra. Ana Carvalho Dias, Dra. Ana Paula Mendes, Dra. Ângela Valério, Dra. Cátia Martins, Dr. João Nuno Reis, Dra. Maria João Martins, Dra. Paula Noé, Dra. Paula Tereno e Dr. Pedro Peixoto; do Arquivo das Construções Escolares (Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência): Ao Dr. Miguel Infante, Dra. Maria João Seguro, Dr. Pedro Maximino e Dra. Maria Emília Ferreira; do Arquivo Nacional da Torre do Tombo: à Dra. Célia Adriano e ao Dr. Fernando Costa e a todos os colaboradores da Sala de Leitura; do Arquivo e Biblioteca do Ministério das Obras Públicas (Secretaria-Geral do Ministério da Economia e do Mar), à Dra. Elsa Ribeiro, Dra. Paula Ucha e Dra. Maria Beatriz Almeida; do Gabinete de Estudos Olissiponenses (Departamento do Património Cultural da Direção Municipal da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa), à Dra. Judite Reis, Dra. Vanda Souto, Dra. Ilda Crugeira, Dr. António Vilhena Nunes, Dr. Ernesto Jana e à D. Lurdes. Sem a vossa ajuda teria sido impossível a recolha do montante e da riqueza da documentação obtida.
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Fotos de bastidores
Rubrica que pretende mostrar a investigação em curso e seus intervenientes Levantamento documental
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Foto: Inês Cardoso na escuridão a observar microfilmes de periódicos MGil2023- projeto ALMADA© todos os direitos reservados.
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Projeto PTDC/ART-HIS/1370/2020 financiado por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P.
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