Queridos leitores,
Se estas pinturas murais pudessem falar, o quanto elas nos contariam sobre as suas vicissitudes passadas e atuais?
Durante os últimos três meses, a equipa de investigação do projeto ALMADA centrou-se no diagnóstico das obras, procurando perceber as anomalias existentes e suas origens. Esta newsletter mostra alguns dos resultados da investigação em curso apresentados no TECHNART2023. Esta conferência internacional decorreu na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, de 7 a 12 de maio, e contou com aproximadamente 380 participantes de diferentes nacionalidades com interesses e preocupações comuns sobre o Património cultural.
Fiquem connosco e boa leitura!
Imagem: Detalhe de uma das pinturas da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos. Imagem: Manuel Ribeiro2023-Projeto ALMADA©.Todos os direitos reservados.
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Para conhecer
DIAGNÓSTICO DE PINTURAS MURAIS - O CASO DAS GARES MARÍTIMAS DE ALCÂNTARA
O diagnóstico de obras de arte é uma das etapas fundamentais prévias a qualquer intervenção de conservação e restauro. Para se poder conservar da melhor forma possível, é preciso conhecer os materiais originais utilizados, perceber os seus processos de envelhecimento (e de alteração), identificar os mecanismos e fontes de degradação por forma a se proceder à sua mitigação. Este é um dos objetivos do projeto ALMADA, que conta com uma equipa multidisciplinar constituída por conservadores-restauradores e investigadores em Ciências do Património.
Todas as pinturas murais de Almada Negreiros, embora datadas da primeira metade do século XX, já foram alvo de intervenções totais ou pontuais de restauro. Os conjuntos de pinturas das duas Gares Marítimas de Alcântara, em Lisboa, são dos casos mais documentados a este nível talvez pela sua monumentalidade, importância artística e histórica. De 1971 a 2000, os relatórios das brigadas de inspeção e de trabalho de pintura mural do Instituto José de Figueiredo (IJF) dão uma ideia das anomalias presentes e da sua recorrência ao longo dos anos. Como já relatado na newsletter 7, é com este Instituto, ainda hoje de referência no campo da conservação e restauro em Portugal, que se iniciam as intervenções nestes núcleos pictóricos após a morte do artista em 1970.
A partir de 2020, a equipa de investigação do projeto ALMADA, e seus colaboradores, começaram a subir aos andaimes para conhecerem de perto os murais juntamente com estudantes (Fig.1). Entre 2020 e 2022, foram feitas várias campanhas analíticas nas duas gares, distantes entre si de cerca de 1.5 km, com o objetivo de mapear as principais formas de alteração atualmente visíveis e identificar as causas subjacentes com vista à implantação de futuras medidas de conservação e restauro.
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Fig.1. Três fases do trabalho em campo. Da esquerda para a direita, observação em luz rasante, microscopia ótica portátil de camadas cromáticas e inspeção dos elementos estruturais na cobertura da gare marítima da Rocha do Conde de Óbidos. Imagens MGil2023-Projeto ALMADA ©. Todos os direitos reservados.
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As atividades de campo incluíram inspeção visual das camadas cromáticas (ou seja, das camadas de pintura), fotografia técnica no visível (Vis), visível-rasante (Vis-Ras) e ultravioleta (UV); microscopia ótica portátil (MO) e fluorescência de raios-X portátil (h-EDXRF). Estas análises não invasivas foram complementadas no Laboratório Hercules com microscopia ótica (OM-Vis-UV) e eletrónica de varrimento (MEV-EDX), micro-difração de raios-X (DRX) e micro- espectroscopia de infravermelho (FTIR e Raman) de micro-amostras recolhidas em camadas deterioradas e em bom estado.
Na Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, também se procedeu à identificação de anomalias da estrutura arquitetónica e validação da documentação existente relativa à geometria e elementos estruturais. Este estudo foi realizado pelo Departamento de Engenharia Civil da Universidade do Minho, sob a responsabilidade de Alberto Barontini. Para tal, uma série de medições aos revestimentos externos, e levantamento fotogramétrico detalhado das partes mais degradadas do edifício, foram realizados no final de 2022 e início de 2023 (Fig.1 e 2). Estratégias de ensaio não destrutivas foram também usadas para apoiar esta investigação, em particular a inspeção termográfica (Fig.2).
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Fig.2. Identificação e mapeamento das principais anomalias presentes na estrutura, e pinturas murais, das Gares Marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos. Poster apresentado no TECHNART2023. Imagem MGil2023-Projeto ALMADA ©. Todos os direitos reservados.
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O levantamento ao nível da estrutura arquitetónica na Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos foi elucidativo do mau estado de conservação e da falta de manutenção dos elementos estruturais, sendo visíveis fissuras/fendas/lacunas nos revestimentos exteriores e deficiências no sistema de drenagem das águas pluviais (Fig.1 e 2). O estudo teve também em consideração possíveis fontes de infiltração de sais solúveis na estrutura decorrentes dos materiais originais à base de betão, dos materiais empregues em reparações posteriores, e contaminações oriundas do ambiente externo particularmente agressivo (e.g. poluição do tráfego rodoviário, proximidade do rio Tejo e Oceano Atlântico).
A localização geográfica das duas estações à beira-rio assume uma preocupação acrescida atendendo às previsões de agravamento das condições atmosféricas para as próximas décadas. A análise futura dos parâmetros de humidade, e de temperatura, assim como da radiação solar incidente, irão possibilitar uma visão mais concreta do impacto nos mecanismos de deterioração ainda ativos.
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Fig.3. Detalhes da intervenção de 1971 e dos testes realizados com adesivos na Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos. Imagem Inês Cardoso2023-Projeto ALMADA ©. Todos os direitos reservados.
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O trabalho de campo em 2021 produziu alertas sobre o estado de conservação das pinturas que culminaram, ainda nesse ano, numa intervenção SOS num dos murais da Gare Marítima de Alcântara. Os resultados também viriam a contribuir para o sucesso da candidatura apresentada pela Administração do Porto de Lisboa (APL) em 2022 ao Word Monuments Fund, com enfoque na salvaguarda e valorização deste património cultural.
No entanto, para a futura conservação destes murais, além da informação sobre os materiais originais, importa conhecer os produtos utilizados em intervenções de restauro passadas e determinar o seu comportamento, discorridas quase cinco décadas da primeira intervenção (Fig.3 e Fig.4).
Em 2022, o levantamento documental no arquivo do IJF permitiu rastrear e identificar os processos das Brigadas de Inspeção e de Trabalho, com referências aos tratamentos efetuados. De particular interesse são os relatórios sobre a primeira intervenção de restauro, em 1971, em ambas as gares que relatam o uso de Mowiol e Gervatol (dois álcoois polivinílicos) e de Paraloid (muito possivelmente B72) com o objetivo de fixar camadas cromáticas com perdas de adesão e de coesão. A descoberta do documentário sobre o IJF nos arquivos da Rádio e Televisão portuguesa (RTP), permitiu-nos recuar no tempo e ver os técnicos em ação.
Ficou curioso? Convido-os a verem o documentário supra mencionado (do min 19:48 a 23:05) e o poster da figura 4 que apresenta os primeiros resultados das análises em curso.
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Fig.4. Levantamento de intervenções passadas, metodologias e produtos empregues nas pinturas murais das Gares Marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos. Poster apresentado no TECHNART2023. Imagem MGil2023-Projeto ALMADA ©. Todos os direitos reservados.
Agradecimentos
A investigação de diagnóstico contou com o apoio de vários investigadores de diversas áreas, bem como de vários estudantes de mestrado e de doutoramento das Universidades de Évora (UÉ) e do Minho (UMinho). A lista completa pode ser encontrada nos posters patentes nas figuras 2 e 4. Obrigada a todos pela participação no projeto Almada. Agradecimento também à conservadora -restauradora Glória Nascimento que encontrou, e enviou à equipe do projeto, o documentário das RTP com filmagens da intervenção na Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos em 1971.
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Para ver
Dar a palavra ao Conservadores-restauradores. Palestra conferida online no dia 19 de novembro de 2021 As brigadas de restauro do IJF nas pinturas murais de Almada Negreiros – perspetiva da conservação e restauro. Por Irene Frazão, Michelle Portela, Gabriela Carvalho
Se não teve a oportunidade de ver na primeira vez, aproveite agora. Basta clicar aqui
Biografia das autoras e resumo da palestra
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Publicações open acess
. Milene Gil, Mafalda Costa, Mila Cvetkovic, Carlo Bottaini, Ana Margarida Cardoso, Ana Manhita, Cristina Barrocas Dias, António Candeias, ‘Unveiling the Mural painting art of Almada Negreiros at the Maritime stations of Alcântara (Lisbon): diagnosis research of the paint layers as a guide for its future conservation’, Ge-Conservación, Vol20 (2021). DOI: https://doi.org/10.37558/gec.v20i1
Em breve: . Keelie S. Rix, Sara Valadas, Inês Cardoso, Luís Dias, Milene Gil, 'Preliminary Diagnostic survey of deteriorated paint layers at the Maritime station of Rocha do Conde de Óbidos, Lisbon: a multianalytical research'. Em peer review para o International Jornal of Conservation Science.
. Andrea Acevedo-Méjia, Mafalda Costa, Peter Vandenabeele, Luís Dias, Milene Gil, 'An insight into the green deteriorated paint layers at the Maritime Station of Alcântara (Lisbon): an archeometric study'. Em peer review para o International Jornal of Conservation Science
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Fotos de bastidores
Rubrica que pretende mostrar a investigação em curso e seus intervenientes Diagnóstico
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Foto: Documentação gráfica do estado de conservação numa das pinturas murais da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos. Na foto, Verónica Martinez Quiceno e Youssef Mohamed A.M., estudantes do Archmat Erasmus Master Mundus em Arqueometria da Universidade de Évora (edição 2021-2023). MGil2023- Projeto ALMADA© todos os direitos reservados.
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Noticias publicadas no website
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Projeto PTDC/ART-HIS/1370/2020 financiado por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P.
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